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O covid-19 e o desafio disruptivo de In-Migrar


Ontem uma frase surgiu em minha mente e não me saiu da cabeça. Por mais que eu desse foco em outros afazeres, volta e meia o assunto ressurgia em minha mente. Hoje acordei com ela ainda a rodear-me antes mesmo de levantar da cama. Resolvi então, dar um pouco mais de atenção a ela. Parei para refletir porque o Universo estava a soprar em meus ouvidos de modo constante este tema. O que deveria eu aprender com ele. A essa altura, a sua curiosidade aí do outro lado já deve estar a transbordar, não é? Mas, do que ela está falando? O que poderia estar a inquietá-la de tal modo a ponto de fazê-la saltar da cama direto para o computador para não ter a chance de que tal ideia caísse no esquecimento? Caro leitor, querida leitora, refiro-me ao “Covid-19 e o Desafio de “InMigrar”. E é sobre isso que iremos dialogar nos parágrafos seguintes. Para quem não me conhece, sou Selma Mosquera e para além de ser apaixonada pelo Ser Humano, a Migração faz parte, atualmente, dos meus estudos (e aprendizados) teórico-práticos. Não só por causa da tese de doutoramento que estou a desenvolver no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) da Universidade de Lisboa; tampouco pelo fato de gerir a Associação de Migrantes de Torres Vedras - AMTV, onde estou presidente da Direção, mas, sobretudo, porque resolvi junto com meu marido e filhos, sair do Brasil - país onde nasci e vivi por muitos anos - para morar em Portugal com o intuito de realizar um sonho de menina (ser cientista), o que me torna oficialmente um SER Migrante. Se pararmos para pensar na questão da migração de modo um pouquinho mais aprofundado, vamos perceber que na verdade o assunto migração não é nada novo. O ato de migrar acompanha a humanidade desde o início dos tempos. Foi o sedentarismo naquela época que despontou como novidade. Aos poucos, à medida que ia fixando-se em determinadas regiões do nosso planeta, a humanidade teve a oportunidade de não só interagir intensamente com o local onde estava, mas de conviver com o ecossistema que se encontrava no seu entorno e a aprender muito sobre ele. As pessoas passaram assim a marcar território, a construir uma cultura própria para a sua comunidade. Influenciadas pela geografia e pelo clima do local, criaram hábitos, costumes, arte, arquitetura, ciência… Tudo isso fruto da observação e da interação com o ambiente que estava a sua volta. Assim, o mundo foi se tornando conhecido. E quanto mais o conheciam mais o transformavam. Contudo, pressionado pelas guerras entre os povos, pela falta de alimento, pelos desastres ecológicos e até mesmo pelas questões político-económicas, muitas dessas pessoas se viram - e ainda se veem - forçadas a migrar para outro lugar em busca de uma vida melhor. Com o passar do tempo o fluxo migratório intensificou-se de tal maneira que os governos foram obrigados a implementar suas próprias políticas migratórias, com o intuito de preservar seus territórios. Foi assim que os países se viram pressionados a criar suas próprias leis para definir a relação de quem poderia ingressar em suas fronteiras com o status que vai além do de turista. Criaram critérios para aqueles que passarão a (com)viver em seu território, que irão interagir constantemente com os nativos da região, podendo assim influenciar a transformação do seu “espaço”. Milton Santos nos diz que a interação com novos espaços nos permite construir novas geografias. Isso por sua vez nos possibilita o aprendizado de novos olhares que nos permite reorganizar recursos para atender as necessidades já existentes, criar novas necessidades e inovar com a criação de outros recursos para atender necessidades até então desconhecidas. Ele nos leva a pensar quão disruptivo e empreendedor é o ato de Migrar. "Quanto essa decisão nos faz crescer!" Até então, a humanidade havia habituado-se a explorar o mundo lá fora, a sair da “caverna de Platão” para conhecer o que era desconhecido exteriormente. Eis que de repente, nesta trajetória, ela (a humanidade) se depara com um pequeno vírus, o SAS Cov-2, que lhe apresenta um mundo pandêmico capaz de inverter a lógica do modelo de interação socioespacial já conhecido por ela. Num intervalo de um pouco mais de um ano fomos obrigados, por uma questão de sobrevivência da nossa espécie, a regressar à caverna, que via de regra havia se transformado num espaço apenas de pernoite, para a partir dela viver e conviver mediados pelas tecnologias da informação e comunicação – Tics. Essa nova realidade nos fez perceber que desconhecíamos algo que imaginávamos ser muito bem conhecido por nós: a nossa própria casa. Mais uma vez o sedentarismo volta a moda, trazendo com ele consequências para a saúde física e mental. Mas, também nos oportuniza mais tempo de interação com esse espaço dito “já conhecido”. Voltamos, à fórceps, para casa com um olhar mais atento. Esse novo olhar nos permitiu ver e sentir a necessidade da construção de uma nova geografia interna, bem ao estilo miltoniano.

Independentemente se morávamos sozinhos ou se coabitávamos com outras pessoas passamos a vivenciar um estranhamento do que conhecíamos como o nosso espaço interior. A partir desse velho-novo lugar, fomos obrigados a nos adaptar para seguir em frente. O trabalho invadiu nosso lar, a escola invadiu nosso lar, a família nuclear invadiu nosso lar, e a nossa individualidade também invadiu o nosso lar. Todos ao mesmo tempo agora. Todos para ficar. Foi então que nos demos conta de que havia muitas coisas dentro da nossa casa de que não gostávamos; outras que não precisávamos; outras que eram necessárias, mas não possuíamos; outras que apenas desejávamos. E a necessidade de reorganização se fez presente. Do mesmo modo, nos demos conta de que tínhamos manias estranhas, que desconhecíamos as pessoas com quem convivíamos e que nos autodesconhecíamos. Nos demos conta do quanto somos seres gregários e do quanto nos construímos através da interação com o outro. Quanta falta o outro nos faz! Mais uma vez a necessidade de reorganização se fez presente. Num piscar de olhos o desafio de InMigrar nos foi imposto. Tivemos que conviver com quem estava mais próximo de nós: nós mesmos. Nesse processo vieram à tona as nossas sombras, os nossos medos, os nossos pontos a melhorar. Mas, também emergiu nossa capacidade de resiliência, de adaptação positiva, de realizar mais com menos, de aprender com os erros e acertos, de perdoar a si e aos outros, de identificar o que realmente importa etc. Sem dúvida, apesar de toda dor provocada por este processo de crescimento e aprendizagem, demarcado pelos estados de desequilibração e reequilibração que nos ensina a ótica piagetiana, InMigrar trouxe para nós uma oportunidade quântica de olhar para dentro e descobrir uma nova geografia que nos permitiu a construção de uma nova arquitetura interior (enquanto individuo) para o lar que habitamos, para nossa comunidade, para nossa cidade e quiçá para o nosso planeta. De repente ao finalizar essa escrita/reflexão, sinto-me invadida por um estado de gratidão tamanho que só me resta afirmar: Obrigada SARS COV-2, pela oportunidade de InMigrar. Oxalá sejamos capazes de extrair de nós a nossa melhor geografia. Paz e bem.


Selma Mosquera


*Publicado originalmente em 10/09/21, em minha coluna na Abayomi Academy, Flórida, USA

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